desconheço meu corpo-morada desde que me conheço por gente. e sempre me pego revirando as gavetas internas, procurando as foto-memórias, buscando meu eu dentro de mim. é estranho, mas sinto saudade de quem já fui, mesmo me orgulhando de quem sou agora, e mesmo sabendo que não sou de mim. eu não faço ideia do que estou fazendo aqui. só sei que tudo isso faz parte do roteiro, onde hora ou outra meus papéis são invertidos: deixo de ser a protagonista da minha própria história para observar ela acontecendo, de baixo do meu nariz. eu não sei até que ponto isso é bom – ou ruim (eu realmente não faço a mínima ideia do que estou fazendo). e talvez isso seja normal. eu vim ao mundo ou foi ele quem veio até mim? e quando eu morrer, eu vou embora ou o mundo é que acaba (ou começa) para mim? ah, falando nisso, se tem algo que não me amedronta é a morte. se bem que nunca fui de ter medo das coisas. deve ser porque aprendi logo cedo, com os golpes mais duros, que a vida não é para os covardes. acho que essa é uma das minhas raras qualidades – ou seria um defeito? independente do que for, é algo que me faz sentir eu mesma, quando me perco de mim. é algo que sempre fica. mas, mesmo assim, cu não sei nada sobre a minha permanência. não me pertenço mais. aliás, nunca me pertenci. eu me escondi dentro de mim todos esses anos e meses e dias. e deixei de me explorar. e me deixei esquecer. aqui é tudo muito distante, onde meu eu fica longe de mim. enfim… quando foi que eu me perdi? será que foi quando eu nasci, quando eu cresci, ou seria a vida apenas um deixar de ser?
Tamires Frasson, é jornalista, professora, mestranda em Educação e poeta. Idealizadora do Coletivo Literocupa, que existe em Jaú-SP desde 2016 com o objetivo de incentivar a leitura e facilitar o acesso à literatura e à arte poética, e responsável pela Biblioteca Comunitária. É autora do livro-reportagem “Os amores de Hilda Hilst”, resultado de suas pesquisas sobre a vida e a obra da escritora jauense. Além disso, publicou, em 2019, de forma independente, seu primeiro livro: “Das inconformidades do cotidiano – poesias, versos e relatos”.
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