Ele abre a porta e entra na casa. Dá uma breve olhada ao redor da sala, suspira fundo, deixa as chaves sobre o móvel, senta-se e acolhe o silêncio e a paz. Joga seu corpo sobre o sofá, cansado. Entrelaça os dedos e passa os braços atrás da nuca apoiando a cabeça. Fica pensativo por uns momentos, só despertando quando uma voz masculina e doce o traz a realidade.
-Está dormindo aí pai?
Ó filho! Já chegou? Exclama, levantando–se, abre os braços para o filho que o abraça e beija-lhe a face.
-Não, só vim avisar que vou chegar daqui a pouco!
Brinca o rapaz de uns dezoito anos.
-Olha moleque! Quer apanhar?
Diz o homem mais velho empurrando o filho para cair sentado no sofá.
Depois de algumas risadas…
-Ela não chegou ainda?
-Não filho.
-…?
-Filho ela é como é, e nós a amamos por isso!
-Às vezes eu sinto muita falta dela.
-Nós já conversamos sobre isso.
-Eu me orgulho dela pai! Diz o rapaz com olhos brilhando. -Ninguém nesta cidade tem uma mãe como a minha! Não mesmo!
Mais risadas…
-Pai quando ela chega naquela moto, com aquele corpinho que mais parece o de uma menininha, ou quando a vejo pedalando pelas ruas me dá uma sensação de ser intocável, porque minha mãe é uma espécie de super-heroína! Sinto que nada de ruim vai me acontecer.
-E eu? Como fico nesta história?
Diz o homem fingindo-se enciumado. O rapaz sorri com carinho dizendo:
-Ah pai, você é meu melhor amigo, sabe disso?
-Hum…
-Mas minha mãe troca um dia de folga por passeios, seus bichos, suas crianças, seus moradores de rua, seus velhos…
-Seu filho egoísta…
-Pai não é isso. Eu me orgulho tanto dela…
-E continuaria orgulhando dela se ao invés de pilotar uma moto, ela pilotasse o fogão, se ao invés de pedalar para manter a forma, ficasse fofocando com as vizinhas…? Filho eu sei que é horrível ter um morcego como animal de estimação, é duro termos poucas horas juntos na semana. Mas nós passeamos juntos sempre que dá, e, nestas ocasiões nos sentimos felizes…
-É verdade… É que as vezes eu tenho medo.
-Medo? De que? Das lagartas esverdeadas da sua mãe?
-Medo de todas essas coisas acabarem…
-Você tem medo. Que a sua mãe morra?
-…?
-Filho!
-Não é isso pai, eu falo de relacionamento, tenho tantos colegas que os pais se separaram…
-Você está brincando! Você acha mesmo que ela deixaria um cara bonitão como eu?
Brinca o homem estufando o peito com pose de galã, os dois riem. Depois o homem assume uma expressão séria, mas serena, olha para o filho e diz:
-Existem pessoas que passam uma vida inteira juntos sem se importar com nada ao seu redor, olhando só para o seu umbigo, mas a sua mãe não é assim meu filho, ela precisa ser útil para viver cara.! E isso é lindo… Você não tem que reclamar, e sim de se orgulhar da nossa pequenininha! O tempo é curto em outros lares também filho, a vida é corrida, nós somos felizes por termos o privilégio de estarmos juntos, nas poucas vezes que estamos juntos é verdadeiro, e não é tão pouco tempo assim. Eu acho que você está precisando é de arrumar uma namorada.
-Pai, não fala dessa nossa conversa para ela, não quero que ela se sinta culpada por minha causa. Vou para o meu quarto, tenho que estudar.
-Você está bem?
-Claro! Perto de um bonitão como você! Brinca o rapaz, e sai sorrindo enquanto o pai faz pose de machão.
O rapaz se vai e o homem continua sentado pensativo na conversa que tivera com o filho.
Era difícil para o rapaz, afinal ela lecionava em dois turnos diferentes. No intervalo entre um turno e outro ela corria em casa par a almoçarem rapidamente e depois só se viam a noite depois que ela assistia a aula de violão, que um amigo da escola, doava a seus alunos, duas vezes por semana, onde ela lecionava a tarde. Até ela já estava aprendendo um pouquinho. Não dá para acreditar? Que mulher!
Tem dia de sopa! Tem muita gente passando fome nesta cidade… Pena que só pessoas como nós, que podemos fazer tão pouco, é que vemos essa situação.
Mas isso enche o coração dela de alegria. É comovente ver o carinho com que ela trata as pessoas, se pudesse fazer, ela faria todos os dias. Tem ainda os momentos com os idosos, ela até chora ouvindo as histórias tristes daquelas senhoras órfãs de filhos…. São tantas as coisas…Obrigada por ela Jesus!
O Homem volta a realidade ao sentir um hálito agradável muito próximo de seu rosto. Era ela dando um beijinho na ponta do nariz, ele abre os olhos, e as lágrimas que estavam retidas em seus olhos, rolam pelo seu rosto.
Com a visão meio embaraçada, que logo vai se clareando, ele se depara com aquele rosto fino de sobrancelhas grossas. Aquele olhar assustado sem entender que está acontecendo, antes que ela perguntasse qualquer coisa, ele começa a falar.
-Eu gostaria de viver mil anos ao seu lado, mesmo que eu tivesse que praticar todos os esportes radicais existentes, mesmo que eu tivesse que subir e descer todas as montanhas do mundo pedalando, mesmo que tivesse que aprisionar suas cobras e escorpiões para os seus estudos, ou cozinhar vários caldeirões de sopas para os moradores da rua… ainda que a cada dia eu só tivesse dez minutos para te ver. Mesmo assim, mil anos seriam poucos para admirar os seus olhos, seus cabelos, as suas mãos, sua bondade, essa sua vontade de viver, este teu jeito de amar as pessoas…
Você é o meu chão sabia? Eu sou um homem realizado e feliz. Tenho um filho maravilhoso cheio de genes da mulher mais linda e maravilhosa deste mundo! Tenho uma casa bagunçada! Vidros com bichos mortos espalhados, vejo pouco a minha amada, mas… eu não saberia viver outra vida que não fosse essa, eu não saberia amar outra mulher que não fosse você…
-Apesar de não estar entendendo nada, estou gostando muito dessa recepção! Diz a mulher beijando muitas vezes o rosto do marido, que delicadamente a abraça e a coloca sentada no seu colo.
Ficam em silêncio por um tempo e ela diz:
-O que houve? Parece que você quer me fazer crer que é mesmo feliz, como se você não fosse. É isso?
-Ah! Tá bom, eu abro meu coração e você entende tudo errado!
Ela sorri e parece que uma luz se acende no ambiente.
-Tô brincando, querido! Obrigada pelas palavras afetuosas que disse, eu sei que são todas verdadeiras, e como eu não sou chegada a amor platônico, faço questão de confessar também os meus sentimentos e dizer o quanto sou feliz ao seu lado e o quanto quero estar sempre vivendo com você.
Ela troca um suave beijo com o marido e diz: -Vou fazer o jantarzinho pra nós.
Logo depois…trimmmmm
O celular toca dentro da mochila que ainda está em suas costas, e o homem resmunga conformado – Adeus jantar!
… Ela se agita, andando pela sala falando ao aparelho: Aonde foi isso? Levaram para o hospital? É grave? Não? Você não sabe? Tá bom, eu vou pra lá! Tchau! Ela guarda o celular, olha para o marido meio sem jeito ele se levanta tomando-a pelas mãos dizendo:
-Eu faço o jantar… Um dia quando você já não tiver mais tanta força, e nós estivermos bem velhinhos, eu quero passar o resto dos nossos dias sentados na varando admirando a mulher mais linda do mundo, eu vou fazer questão de beijar cada uma de suas rugas, uma por uma. A mulher sorri, torna a abraçá-lo e diz mansamente:
-E eu depois de ser muito beijada, vou olhar nos seus olhos e te agradecer por todos esses anos que você me apoiou.
-Agora vá, está ficando tarde, e eu não quero a minha pequeninha por aí longe de mim.
-Tchau, não demoro!
Ele ouve o ronco da moto se distanciar. Quando faz menção de ir à cozinha, percebe o filho parado no corredor e o pai diz
-Nem deu tempo de chamar…
-Eu não sabia que você era tão romântico, diz o garoto, disfarçando com as lágrimas.
O pai levanta a cabeça do filho fazendo com que seus olhares se encontrassem. Olha o rapaz por um momento e diz:
-Era só cisco! -Sabe o que é mais verdadeiro e maravilhoso nessa nossa vida a três? É que ela sempre volta para casa, para nós, filho! Todavia lá fora usufruem de sua bondade, amor e simpatia. Mas só nós dois dormimos com ela, compartilhamos os mesmos planos e sonhos, mas não devemos nunca deixar de nos preocupar com o nosso próximo porque tudo o que fazemos de bom ou de ruim nessa Terra, de uma forma ou outra sempre volta para nós mesmos. Devemos ser árvores que dá bons frutos, viu?
-Eu sei Pai!
-Ótimo, agora vamos para a cozinha se não quisermos apanhar.
A heroína desta história não demora muito a voltar. A mesa está posta. Depois de um banho, eles comem em meio a muita conversa e risos. E tudo termina na cama, a pequenina no meio e os dois cavalheiros ao seu lado, direito e esquerdo. Cansados das suas tarefas do dia conversaram mais um pouquinho e adormeceram ali mesmo.
Logo um novo dia nasceria, e uma história sem fim recomeçaria na vida de três pessoas especiais.
Eliane Brito, 57 anos e escrevo desde os 13. Amo ler e tenho como meta ver o que escrevo diante dos olhos dos leitores. Não tenho dinheiro com meta, apenas leitores.
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A autora, conseguiu encontrar a essência da personagem, mesmo que seja uma historia imaginada, o espirito da personagem real, foi captada com muita verdade. Parabéns Eliane Brito.
E minha admiração a personagem real, que me inspira a mais de 30 anos.
Walkiria Ank
Que riqueza de detalhes! Me senti dentro dessa história, é tudo muito vivo, muito real! Parabéns, mãe!
minha irma incrivel , sempre ativa e descobrindo novos horizontes para si e para os outros.